sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Cinema na Anita

“Tchê. Cheguei agora do Alegrete e ouvi falar de uns malucos que querem mudar o mundo começando aqui pela capital. 

Me contaram que até sessão de cinema na rua eles fazem, fui ver. 

Cheguei lá e me avisaram que todo aquele povo estava reunido por que vai tê uma grande obra pra Copa do Mundo, fiquei pensando: o que tem a ver futebol, mobilidade urbana e árvores cortadas? Achei tudo muito estranho, mas como era coisa de gente modernosa, comecei a reparar nas cosas que estavam em volta, nos tipos e atitudes das pessoas. 

Vi muita coisa que nunca tinha visto, olha que eu ando por esse Rio Grande. 

Prá começo da conversa um monte de gente na rua, bebê, velho, novo. Cadeira de praia, travesseiro, cobertor, almofada, parecia um piquenique. 

Bicicleta tinha de tudo que é jeito, barra forte, barra circular, umas de quadro de carbono, cecizinha, uma que diz que dá pra dobrar e tudo o mais. 

Lá pelas tantas um bigodudo achou que podia coordenar o trânsito, e tem mais, fez bonito, poderia muito bem ensinar quem é pago pra isso! Fez tudo na elegância e com sorriso no rosto. Gente de tudo que é tipo. Tinha uma moça bonita de short rosa e camiseta preta com uns escrito: Tá foda viver. 

Gente de pés descalços, de salto alto, havaianas, alpargata. 

Gente com máquina de retrato na mão, muita gente tirando retrato, gente filmando, parece que até os da TV “que faz por você” estavam por lá, cosa de louco mesmo. 

A mãe dizia pro piá: pode escrever e desenhar no asfalto sim, mas desenha bonito pros retratista registrarem teu desenho. E se for escrever, escreva uma palavra difícil tipo honestidade, empatia, gentileza. 

Na tela de cinema filme de Copenhague, Holanda, Brasília e São Paulo. Uma jornalista, ativista, ciclista andando de bicicleta pelas cidades e falando com gente importante, mostrando como outras gentes e cidades revolucionaram seu jeito de se locomover com vontade política, atitude, pensamento de longo prazo. Gente a fim de possuir e ser dona da cidade onde vive, a fim de ir e voltar de bicicleta ou de transporte público de muita qualidade, parece que é o único jeito viável daqui pra frente. 

Em São Paulo, o retrato de um colapso muito próximo, da grande chance do sujeito querer ir pro trabalho e não conseguir, só pelo fato de estar numa cidade que têm automóveis demais. Pra quem vem de longe como eu parece mentira, mas é a mais dura realidade. 

Ouvi de tudo mesmo, coisa que não se ouve toda hora, gente dizendo “com licença”, “muito obrigado”, “que bom te ver”, “parabéns pela iniciativa”, “que bom que tu veio”, sabe, tipo melodia de música bonita. 

O casal que distribuía pipoca feita ali mesmo, ele de barra forte, ela de saia rodada. Saíram os dois com sorriso no rosto, andando abraçados, fruindo a vida. 

Lá pelas tantas se acabou o filme e o povo todo se levantou e bateu palmas, assoviou, gritou, tudo com amor e energia positiva. A salva de palmas durou muito tempo, foi bonito de ver. Parecia que queriam dizer em linguagem de palmas: isso sim é ordem e progresso. 

Palmas, palmas, palmas. Palmas para o Shoot The Shit e todo o povo que estava lá. Digo mais, vocês não são malucos e sim, podem mudar o mundo começando pela capital. 

Ah: da próxima vez que rolar um cinema na Restinga, no Partenon, na Redenção ou no Alegrete me convidem, quero estar junto! 

PS: eu também fui de bike.” 


Rodrigão Rodrigues, Porto Alegre, 18 de janeiro de 2013.

Texto escrito pós evento Cinema na Anita, do coletivo Shoot The Shit. Fotos do evento